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PARECER CG Nº 076/05-E

Decisão publicada no "Diário Oficial" do Poder Judiciário, Caderno I, Parte 1, páginas 3, 4 e 5 de 2 de junho de 2005.        

PROCESSO CG Nº 864/2004 - LOCALIZA RENT A CAR S.A. - PROPOSTA DE ADOÇÃO DE MEDIDAS VISANDO POSSIBILITAR O PROTESTO DOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO DE VEÍCULOS

PARECER Nº 076/05-E

PROTESTO DE TÍTULOS E OUTROS DOCUMENTOS DE DÍVIDA - Alcance desta terminologia - Inteligência da Lei nº 9.492/97 à luz do hodierno ordenamento jurídico - Possibilidade de protesto dos títulos executivos judiciais e extrajudiciais - Atributos de liquidez, certeza e exigibilidade - Caráter normativo - Inclusão do contrato de locação de veículo desde que ajustado ao inciso II do artigo 585 do Código de Processo Civil.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Cuida-se de postulação apresentada por Localiza Rent a Car S/A., com o fito de que contratos de locação de veículos, uma vez adequados às prescrições do inciso II do artigo 585 do Código de Processo Civil, sejam considerados documentos de dívida para os efeitos da Lei nº 9.492/97 e, portanto, passíveis de protesto. Anexou peças para respaldar o pleito.

Foi determinada a vinda aos autos de cópias de pareceres anteriores, sobre temas correlatos, produzidos na seara desta Corregedoria Geral e prolatados nos processos CG nºs. 2.374/97, 1.500/02 e 168/03.

Relatei.

Doravante, opino.

Passa, necessariamente, o deslinde do problema apresentado por estudo mais amplo, concernente a questão de base que não é nova no âmbito desta sede correcional, tanto que deu azo a reiterados pareceres, como se pode verificar por meio das xerocópias encartadas aos presentes autos. Trata-se da efetiva inteligência da expressão "outros documentos de dívida", instituída pela Lei nº 9.492/97, diploma especial de regência, ao definir o alcance do protesto extrajudicial.

Esse o tema primacial a ser enfrentado, pois o fundamento da pretensão da postulante consiste, claro está, na alegada conformidade do contrato de locação de veículo, por adrede moldado, aos termos do inciso II do artigo 585 do Código de Processo Civil, com conseqüente natureza de título executivo extrajudicial. Isto tendo em vista que, à luz da argumentação por ela desenvolvida, seriam protestáveis, enquanto inseridos na previsão do artigo 1º da lei supra mencionada, todos os títulos executivos vislumbrados pela legislação processual, incluindo-se, naturalmente, aquele de seu interesse, ora em mira.

Sabido é que esta Corregedoria Geral, com arrimo nos aludidos pareceres, vem atribuindo interpretação restritiva ao texto legal focalizado, o que deixa ao desamparo, em tese, a postulação articulada. Todavia, se a prudência parecia recomendar, num primeiro momento, postura conservadora, novos matizes foram paulatinamente acrescentados ao quadro debuxado, de modo a tornar imperativo o reexame da matéria.

Deveras, no processo CG nº 2.374/97, com fulcro no primeiro daqueles pareceres, proferido em 02 de setembro de 1998, perfilhou-se o entendimento de que não basta "que a nova lei que regulou a atividade de protesto permita o protesto de outros documentos de dívida. Estes hão de contar com expressa e específica previsão normativa no direito positivo para que possam ser protestados por falta de pagamento. Sem que se encontre essa previsão referida, não basta a genérica previsão encontrada na Lei Federal 9.492/97 para que se permita o protesto de qualquer documento de dívida".

Sobreveio a Lei Estadual nº 10.710, de 29 de dezembro de 2000, por força da qual passou a constar do item 14 da Tabela XI da Lei Estadual nº 4.476/84 que "compreendem-se como títulos e outros documentos de dívidas sujeitos a protesto comum ou falimentar os títulos de crédito, como tais definidos em lei, e os documentos considerados como títulos executivos judiciais ou extrajudiciais pela legislação processual...".

Não obstante, no processo CG nº 1.500/2002, prevaleceu o entendimento de que "a lei estadual ao estabelecer que são sujeitos a protesto comum ou falimentar os documentos considerados como títulos executivos judiciais ou extrajudiciais pela legislação processual, embora não esteja criando título ou documento de crédito, está tratando de forma genérica do que deveria ser objeto de lei específica". Aduziu-se que, mantido, quanto à Lei nº 9.492/97, "o entendimento de que o seu artigo 1º deva ser interpretado restritivamente, não se pode concluir que a lei estadual tenha ampliado o rol de documentos que podem ser protestados".

Hodiernamente, entretanto, à luz de novos e significativos elementos, de cunho legislativo (pense-se, v.g., no advento do novo Código Civil, da recente Lei de Falências e, ainda, da Lei Estadual nº 11.331/02, engendrada de forma mais madura, estudada, discutida e transparente), doutrinário e, mesmo, fático, bem como ponderada a dinâmica das relações jurídicas, impende reconhecer que esse enfoque restritivo pode ceder espaço a interpretação que consagre o alcance emanado da lógica do ordenamento presente. Mais que plausível, na sistemática atual, admitir o apontamento dos títulos executivos contemplados pela lei processual, dotados dos atributos de liquidez, certeza e exigibilidade (CPC, art. 586). Com efeito, a viabilizar tal interpretação se acham ingredientes sobrevindos, acrescentados pela modernidade e adiante melhor analisados, tais como, para exemplificar, a consagração da boa-fé objetiva pelo diploma civil substantivo, o condão de interromper a prescrição por este atribuído ao protesto extrajudicial e a ausência de tratamento discriminatório no estatuto falencial que justifique diferenciar os documentos sujeitos a protesto falimentar dos demais protestáveis.

Carlos Maximiliano, citando Ferrara, discorre, numa visão teleológica, sobre a atividade interpretativa como fator de progresso do Direito: "A pesquisa não fica adstrita ao objetivo primordial da regra obrigatória; descobre também o fundamento hodierno da mesma. A ratio júris é uma força viva e móvel que anima os dispositivos e os acompanha no seu desenvolvimento. 'É como uma linfa que conserva sempre verde a planta da lei e faz de ano em ano desabrocharem novas flores e surgirem novos frutos'. Não só o sentido evolve, mas também o alcance das expressões de Direito" (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 11ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 154).

Que o intérprete não se deixe obnubilar por considerações sobre as origens do protesto, que o vinculam ao direito cambiário. Não se nega a história do instituto, que inclusive faz compreensível, por amor à tradição e para distingui-lo do protesto judicial, denominá-lo, eventualmente, protesto cambial, mesmo após o advento de diploma especial de regência que não adota tal nomenclatura, qual seja a Lei nº 9.492/97. Mas falta base para pretender que dito instituto permaneça eternamente agrilhoado ao berço, sem horizonte algum. Não será a primeira vez que uma figura jurídica originalmente concebida para viger num universo mais apertado terá seu espectro expandido com vistas ao atendimento de outras situações compatíveis com sua natureza, por força de necessidades ditadas pelo desenvolvimento das relações jurídicas e pelo próprio interesse social.

O fenômeno pode ser aqui, incidentalmente, percebido. Num contexto de inadimplência crescente, a nova dimensão que, segundo se conclui, o ordenamento dá ao protesto, apresenta potencial de contribuir para a inibição da recalcitrância e, mesmo, de evitar, em alguma medida, a canalização de demandas ao já abarrotado Poder Judiciário. Isto porque não se pode negar, a par das finalidades clássicas do protesto, o efeito exercido sobre o devedor no sentido de compeli-lo ao cumprimento da obrigação, quer para garantir seu prestígio na praça, quer, até, sob o prisma psicológico.

Como lembrado por José de Mello Junqueira e Silvério Paulo Braccio, "com o protesto previnem-se possíveis conflitos entre credor e devedor, porquanto a maioria das pessoas apontadas no Serviço de Protesto comparecem e quitam seus débitos, evitando o ingresso de ações e execuções judiciais, com todos os custos a elas inerentes. O Serviço de Protesto tem, assim, a missão importante, eficaz de acelerar a solução de créditos pendentes e não honrados no vencimento" (Protesto de Títulos, edição do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos, pág. 11).

Pertinente, outrossim, o pragmático raciocínio de Sílvio de Salvo Venosa: "De há muito o sentido social e jurídico do protesto, mormente aquele denominado facultativo, deixou de ter o sentido unicamente histórico para o qual foi criado. Sabemos nós, juristas ou não, que o protesto funciona como fator psicológico para que a obrigação seja cumprida. Desse modo, a estratégia do protesto se insere no iter do credor para receber seu crédito, independentemente do sentido original consuetudinário do instituto. Trata-se, no mais das vezes, de mais uma tentativa extrajudicial em prol do recebimento do crédito. Ora, por rebuços ou não, o fato é que os juristas tradicionais nunca se preocuparam com esse aspecto do protesto, como se isso transmitisse uma capitis deminutio ao instituto do protesto e a sua Ciência. Não pode, porém, o cultor do direito e o magistrado ignorar a realidade social. Esse aspecto não passa despercebido na atualidade" (Direito Civil, 3ª ed., Atlas, São Paulo, 2003, págs. 470/471).

Complementa Ermínio Amarildo Darold, frisando que o protesto "guarda, também, a relevante função de constranger legalmente o devedor ao pagamento, sob pena de ter lavrado e registrado contra si ato restritivo de crédito, evitando, assim, que todo e qualquer inadimplemento vislumbre na ação judicial a única providência jurisdicional possível" (apud Venosa, ob. cit., pág. 471).

Campeia, infelizmente, a cultura da inadimplência e já é tempo de abrir caminhos para que quem ostente créditos líquidos, certos e exigíveis, representados por títulos executivos reconhecidos pela legislação, tenha alguma perspectiva de receber com mais agilidade. E negar que a possibilidade de protesto gera esse efeito seria ignorar a realidade dos fatos. Note-se que esses atributos de liquidez, certeza e exigibilidade, a serem devidamente aferidos pelo Tabelião em sede de qualificação, permitem presumir a boa-fé do credor, em detrimento da postura do devedor, justificando que se deixe a este último o ônus de ir a Juízo buscar a sustação (ou, numa etapa seguinte, o cancelamento) caso entenda haver razão para tanto.

Em face de dívida dessa nitidez, a conduta que se esperaria, objetivamente, do sujeito passivo seria a de simplesmente pagar, cumprindo-lhe, caso considere que há motivo justo para proceder de outro modo, a iniciativa de demonstrá-lo.

Conforme destaca Hermann Eichler, invocado pelo autor português António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (Da Boa Fé no Direito Civil, 2ª reimpressão, Coleção Teses, Livraria Almedina, Coimbra, 2001, pág. 1.240), "o princípio de comportamento segundo a boa fé quer dizer que se deve actuar como, no tráfego, se é de esperar uns dos outros" (sic).

Oportuna a análise de Álvaro Villaça Azevedo (Código Civil Comentado, vol. II, Atlas, São Paulo, 2003, pág. 81): "a aplicação do princípio da boa-fé traz para a ordem jurídica um elemento de Direito Natural, que passa a integrar a norma de direito. A boa-fé é um estado de espírito que leva o sujeito a praticar um negócio em clima de aparente segurança... Cito, nesse passo, o § 242 do Código Civil Alemão (BGB): 'o devedor está obrigado a executar a prestação como exige a boa-fé...' ". Neste contexto, o protesto concita-o, solenemente, a fazê-lo.

Pondere-se que o princípio da boa-fé objetiva, erigido à categoria de direito positivo pelo novo Código Civil (artigos 113 e 422), dá o tom do direito obrigacional por ele albergado. Eis, pois, uma primeira indicação de que a superveniência deste diploma substantivo reforça a autoridade da interpretação que coloca os referidos títulos executivos da legislação processual ao abrigo do conceito de "outros documentos de dívida", introduzido pela Lei nº 9.492/97, de modo que o protesto possa alcançá-los.

O temor de que ocorra algum abuso não justifica renitência em subtraí-los ao protesto quando a sã hermenêutica está a apontar em sentido contrário. Aliás, a perspectiva de eventual distorção, ou seja, a possibilidade de abuso de direito, é decorrência lógica da existência do próprio direito.

Vale dizer, consagrado qualquer direito pela ordem jurídica, sempre haverá espaço, infelizmente, para que a cupidez humana conduza a seu exercício desvirtuado, indevido e abusivo. Mas, nem por isso, sob pena de dar guarida a ainda maior iniqüidade, há que se negar vigência àquele direito em si, concebido, por óbvio, para ser exercido de forma lícita e regular. Por isso mesmo, lei e doutrina, em várias passagens, a propósito de temas diversos, sobrelevam o "exercício regular de um direito".

Acertada, nessa linha, a reflexão do MM. Juiz Venício Antonio de Paula Salles, expendida no processo nº 000.01.335987-8: "O abuso, a simulação devem ser firmemente punidos, mas a possibilidade ou potencialidade destes não pode fragilizar ou inviabilizar o exercício deste direito".

E se, de um lado, o novel estatuto civil substantivo enfatiza a idéia de boa-fé objetiva, é de rigor sublinhar que sua chegada trouxe, outrossim, importante inovação acerca do protesto que evidencia a pertinência de estendê-lo aos títulos executivos elencados na legislação processual. Trata-se do condão de interromper o curso do lapso prescricional, previsto no inciso III de seu artigo 202.

Convém lembrar o teor da agora superada Súmula nº 153 do C. Supremo Tribunal Federal: "Simples protesto cambiário não interrompe a prescrição". Faltava, deveras, disposição que o autorizasse no diploma de 1916, o qual conferia tal efeito somente ao chamado protesto judicial.

Comentando o novo Código, não se olvidam os doutrinadores do aspecto que aqui particularmente interessa, demonstrando como sua promulgação deu força à inteligência ora proposta quanto ao texto da Lei nº 9.492/97.

Nesse diapasão, Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes afirmam: "Importante ressaltar que o protesto extrajudicial que interrompe a prescrição não está restrito aos títulos de créditos, uma vez que a L. 9.492/97 passou a dispor que são protestáveis os 'documentos de dívida', ainda que não configurem um título de crédito. Basta para tanto que o documento espelhe uma dívida líquida, certa e exigível" (Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República, Renovar, Rio de Janeiro, 2004, pág. 384).

Humberto Theodoro Júnior também se ateve ao assunto: "Pode-se interromper pelo protesto extrajudicial, na sistemática vigente, não apenas a prescrição das pretensões derivadas dos títulos cambiários, mas também os que provém de todos os negócios instrumentalizados em documentos passíveis de protesto, nos termos da Lei nº 9.492, de 10.09.97" (Comentários ao Novo Código Civil, 2ª ed., vol. III, tomo II, Forense, R. J., 2003, pág. 267).

Eis sua explicação detalhada, à guisa de fundamento da assertiva: "A Lei nº 9.492, de 10.09.97, definiu com maior amplitude a competência e a regulamentação dos serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida. Além do maior detalhamento procedimental, essa lei inovou quanto aos títulos protestáveis, que tradicionalmente eram apenas os títulos cambiários e outros títulos de crédito similares e, eventualmente, algum outro documento expressamente arrolado em lei especial. Com a Lei nº 9.492 passaram a ser protestáveis, genericamente, 'os documentos de dívida', a par dos títulos de crédito. Uma vez, porém, que o protesto visa a comprovar a mora do devedor e como esta pressupõe 'dívida líquida e exigível' (Código Civil, art. 397), não será qualquer documento de dívida que se apresentará como protestável, mas apenas o que retratar obrigação líquida, certa e exigível. Em outros termos, no regime da Lei nº 9.492 a expressão 'outros documentos de dívida' corresponde aos papéis a que se atribui a qualidade de título executivo judicial ou extrajudicial, para fins de execução por quantia certa (CPC, arts. 584 e 585), dentre os quais se destacam a própria sentença civil condenatória, a escritura pública, e qualquer documento público assinado pelo devedor, ou particular assinado pelo devedor e duas testemunhas, desde que atendam às exigências de liquidez, certeza e exigibilidade (art. 586)" (ob. cit., págs. 266/267).

Bem andou o doutrinador ao tratar os "outros documentos de dívida" como uma categoria distinta dos títulos de crédito e trazida, ex novo, para a seara do protesto.

A conclusão nada mais é do que corolário da máxima sabida segundo a qual a lei, por princípio, não contém palavras inúteis. Verba cum effectu sunt accipienda.

Encaixa-se aqui o raciocínio de José de Mello Junqueira, segundo o qual "a lei se utilizou palavras certas e juridicamente definidas: títulos e outros documentos... Por evidente que a expressão títulodeste dispositivo legal quer significar aqueles cambiários, termo de significado restrito, porque o legislador, a seguir, se refere também, a documentos de dívida, expressão de maior significado" (Locação - Protesto, palestra proferida no Centro de Estudos e Debates do Segundo Tribunal de Alçada Civil, em 21/03/2002, publicada no Boletim Eletrônico do IRIB nº 467, de 04/04/2002).

Se, porém, cogita-se de conceitos distintos, nem por isso uma e outra categoria deixam de apresentar, em comum, as características de liquidez, certeza e exigibilidade. Foram precisamente tais atributos que permitiram conceber, na origem, o protesto dos títulos de crédito em sentido estrito, assim como a possibilidade de sua pronta execução. E, expressamente conferidos (CPC, art. 586), também, aos demais títulos executivos agasalhados pela legislação processual, justifica-se que sejam estes reputados protestáveis na qualidade de "outros documentos de dívida".

Evidente, com efeito, a potência diferenciada que incorporam e que autoriza tal entendimento.

Enrico Tullio Liebman teve a compreensão dessa força, ao asseverar que o título executivo "traz consigo, digamos assim, acumulada e consolidada toda a energia necessária para que o credor possa eficazmente exigir e o órgão público possa efetivamente desenvolver a atividade destinada a atingir o resultado que o próprio título indica ser conforme ao direito" (Processo de Execução, 5ª ed., Saraiva, 1986, pág. 21).

São considerações perfeitamente compatíveis com o exposto pelo aludido José de Mello Junqueira: "Conclusão inevitável que todos os títulos e documentos de dívida que encerrem dívida líquida, certa e exigível são protestáveis e, portanto, todos os títulos que admitem direta execução são protestáveis" (última ob. cit.). Percebe-se, pois, que sua visão coincide com a de Humberto Theodoro Júnior.

Trilham a mesma senda outros estudiosos.

Assim, para Míriam Comassetto Wolfenbüttel, "a posição que ocupa espaço, hodiernamente, é no sentido de que o legislador, ao se referir a 'outros documentos de dívida' fez alusão a qualquer documento de dívida passível de execução, ou seja, que este documento seja líquido, certo e exigível. Portanto, infere-se que uma das inovações introduzidas pela Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, diz respeito à amplitude dos títulos sujeitos a protesto cambiário, uma vez que a lei referiu-se a 'outros documentos de dívida', não restringindo, portanto, a prática deste ato específico aos títulos de crédito e contas judicialmente verificadas, como ocorria anteriormente ao advento desta legislação" (O Protesto Cambiário como Atividade Notarial, Labor Juris, São Paulo, 2001, pág. 75).

Do mesmo alvitre Pedro Luiz Pozza, ao asseverar que "a interpretação mais lógica é no sentido de entender-se que documento de dívida é todo título executivo, judicial ou extrajudicial" (Algumas Linhas sobre a Lei nº 9.492/97, pub. no Caderno de Doutrina da Tribuna da Magistratura, jan./fev. de 1999).

Não está solteira, pois, a manifestação do magistrado Venício Antonio de Paula Salles no ensejo antes mencionado, quando ressaltou "os laços que tornam intrinsecamente inseparáveis o protesto e a execução judicial, .pois em princípio todo e qualquer título executável, deve permitir o protesto. Os pressupostos de um e de outro, por óbvio, são os mesmos, posto que se exige certeza e liquidez da dívida, tanto para o protesto como para o embasamento judicial".

Sobre o tema pronunciou-se Sílvio de Salvo Venosa: "Se levarmos em conta a tradição e a origem histórica do protesto, é evidente que não é qualquer documento representativo de obrigação que pode ser protestado. O legislador não foi expresso a esse respeito e parece evidente que sua intenção não foi tornar o protesto uma panacéia ou um placebo jurídico. Considerando que o protesto de origem cambiária sempre foi utilizado para títulos representativos de dívida líquida e certa que autorizam a ação de execução; essa mesma teleologia deve ser aplicada a esses outros documentos citados pela novel lei. Desse modo, ...o protesto é utilizável somente para os títulos cambiários e para os demais títulos executivos judiciais e extrajudiciais, que estão elencados nos arts. 584 e 585 do Código de Processo Civil" (ob. cit., pág. 468). Na seqüência, anotou que a lei paulista sufraga a doutrina exposta (ob. cit., pág. 470).

De se levar em conta, nesse diapasão, o advento da Lei Estadual nº 11.331, de 26 de dezembro de 2002, que, com legitimidade, renovou na nota explicativa nº 8 de sua Tabela IV, observadas algumas modificações de redação, a disposição constante do controvertido diploma anterior (Lei Estadual nº 10.710/2000).

Confira-se o texto atual: "Compreendem-se como títulos e outros documentos de dívidas, sujeitos a protesto comum ou falimentar, os títulos de crédito, como tal definidos em lei, e os documentos considerados como títulos executivos judiciais ou extrajudiciais pela legislação processual, inclusive as certidões da dívida ativa inscritas de interesse da União, dos Estados e dos Municípios, em relação aos quais a apresentação a protesto independe de prévio depósito dos emolumentos, custas, contribuições e de qualquer outra despesa, cujos valores serão pagos pelos respectivos interessados no ato elisivo do protesto ou, quando protestado o título ou documento, no ato do pedido de cancelamento de seu registro, observados os valores dos emolumentos e das despesas vigentes na data da protocolização do título ou documento, nos casos de aceite, devolução, pagamento ou desistência do protesto ou, da data do cancelamento do protesto, observando-se neste caso no cálculo, a faixa de referência do título ou documento na data de sua protocolização".

O certo, entretanto, é que no dispositivo acima transcrito, ao serem mencionados os objetos protestáveis, nada se está a inventar. O que há é mera explicitação daquilo que já dimana, de per si, da ordem posta e bem entendida.

Note-se, de outra parte, que o resultado do cotejo da recém-vinda Lei de Falências com a Lei nº 9.492/97 não se coaduna com dicotomia quanto aos documentos admitidos para o protesto dito comum e o falimentar. Verifica-se uniformidade de tratamento.

Eis o norte mais atual para a interpretação do disposto na mencionada Lei nº 9.492/97, ao determinar em seu artigo 23 que "os termos dos protestos lavrados, inclusive para fins especiais, por falta de pagamento, de aceite ou de devolução serão registrados em um único livro", abolindo o livro especial previsto no velho Decreto-lei nº 7.661/45 e estabelecendo, no parágrafo único de tal dispositivo, que serão "protestados, para fins falimentares, os títulos ou documentos de dívida de responsabilidade das pessoas sujeitas às conseqüências da legislação falimentar". Grifei.

Como se vê, existe hoje perfeita identidade entre aquilo que está sujeito ao protesto comum e aquilo que se submete ao protesto com escopo falencial: títulos e outros documentos de dívida. Diferenciação se verifica, tão-somente, no tocante às finalidades colimadas e aos sujeitos passivos.

Corrobora-o, eliminando qualquer dúvida que pudesse remanescer, a chegada da Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, que não reproduz o artigo 10 e seus parágrafos do estatuto falimentar por ela revogado e enuncia, no inciso I de seu artigo 94, que cabe falência do devedor que, "sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência". A seguir, no parágrafo 3º do mesmo dispositivo, há remissão expressa à disciplina especial do serviço de protesto: "Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9º desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da legislação específica". Vale dizer, da Lei nº 9.492/97. Clara a integração entre os textos vigentes, imbuídos do mesmo espírito e conducentes a uma só conclusão.

Evidenciado que hodiernamente não há, repita-se, distinção de natureza entre os documentos sujeitos ao protesto pelo critério vinculado a ser o escopo falimentar ou não. O inciso I do artigo 10 da nova Lei de Falências alude a "títulos executivos", abarcando, pois, os arrolados na legislação processual, em consonância com o parágrafo único do art. 23 da Lei de Protestos, que, cogitando de objetivo falencial, menciona "títulos ou documentos de dívida", a mesmíssima terminologia adotada ao tratar, em seu artigo 1º, do protesto em geral.

Partindo-se dessa premissa e considerando que, há muito tempo,é pacificamente admitido para efeitos falimentares o protesto de títulos executivos judiciais e extrajudiciais sem feição estritamente cambial (o que não deixou de ser reconhecido naqueles pareceres proferidos no proc. CG nº 2.374/97 e no proc. CG nº 1.500/02, com reiteração no proc. CG nº 168/03), a generalização dessa possibilidade, corolário da equiparação decorrente da sistemática atual, não representará novidade especialmente inusitada no âmbito do serviço delegado, pois estes outros documentos de dívida, embora apenas para aquela peculiar finalidade, já vem sendo protestados.

Quanto, por exemplo, ao crédito resultante do aluguel de imóveis comprovado por contrato escrito (CPC, art. 585, IV), a viabilidade do protesto, conquanto então circunscrito ao dito alvo especial, já foi consolidada no âmbito desta Corregedoria Geral há mais de vinte anos, com supedâneo em minucioso parecer do MM. Juiz Narciso Orlandi Neto, prolatado no processo CG nº 183/84, em 25 de setembro de 1984.

Reputou "indeclinável" a medida quando tenha o contrato de locação "acompanhado os recibos", o que prevalece até o presente: "O contrato de locação contém o reconhecimento, pelo locatário, das parcelas que constituem seu débito, declaradas nos recibos: principal, multa, correção monetária, juros e impostos. É a ele que a lei empresta liquidez e certeza. Poder-se-ia argumentar, em sentido contrário, com a necessidade de cálculo para apuração do quantum, mas aqui vale a presunção de veracidade do afirmado pelo credor. Guardada a distância existente entre o simples protesto e a execução do título extrajudicial, é aplicável o que já decidiu o E. Primeiro Tribunal de Alçada Civil: 'Existe em favor do locador uma presunção juris tantum de que aquilo que alega como sendo quantia líquida e certa de seu crédito é a verdade, assistindo ao devedor o ônus de destruir a presunção' (Julgados, vol. 78, pág.296). Se as quantias declaradas pelo apresentante do título a protesto forem indevidas, ou estiverem pagas, incumbe ao devedor, destruindo aquela presunção, sustar o protesto, assim como lhe competiria, na execução, embargá-la".

Não se vislumbram maiores embaraços em estender esse mesmo procedimento, já sedimentado há duas décadas, a casos em que o alvo não seja falimentar. Varia apenas a finalidade e não a natureza do título executivo.

De rigor, enfim, a apresentação de memorial sob a forma do denominado recibo de aluguel, explicitando o importe devido, com encargos e consectários da locação, respaldado, sempre, por contrato escrito.

Mister se faz antecipar, porém, que a hipótese de aluguel de imóvel, acima versada, não se confunde com a de locação de veículo, uma vez que só a primeira está abrigada pelo inciso IV do artigo 585 do Código de Processo Civil. No concernente à segunda, conforme adiante melhor explanado, será condição inarredável para cabimento do protesto que o contrato obedeça rigorosamente, com características de liquidez, certeza e exigibilidade, ao formato delineado no inciso II da mesma norma, de modo a que possa ser considerado título executivo.

Consigne-se que considerar protestáveis os títulos executivos reconhecidos na lei processual não colide com a essência do instituto em tela, nem desvirtua seu escopo fundamental. Permanece a devida adequação ao definido por José de Mello Junqueira e Silvério Paulo Braccio em exame de "conceito e finalidade": "O protesto é um ato público, formal, solene e caracteriza a impontualidade do devedor. Pelo protesto fica comprovado o descumprimento da obrigação assumida pelo devedor. O protesto é a prova do não pagamento do título ou da falta ou recusa em aceitá-lo ou devolvê-lo. Prova de segurança advinda de uma autoridade dotada de fé pública e que dá ao protesto e seus efeitos um caráter de autenticidade" (primeira ob. cit., pág. 11).

Cabível, nesse ritmo, trazer à baila a exposição de João Mendes Neto, em prefácio a monografia de João Mendes Jr.: "A idéia de fé tem como notas características a sinceridade de quem afirma e a adesão confiante do espírito de quem recebe a afirmação. Constituído pelo Estado para assegurar e transmitir a verdade da existência de certos fatos e atos jurídicos, os órgãos da fé pública têm por função a 'afirmativa geral'... Os fins da sua organização são a segurança dos direitos individuais e a conservação dos interesses da vida social, fins esses que lhe dão, pela identificação com certos fins do Estado, o caráter público. Como instituição de direito público, esses órgãos estão investidos da função necessária para transmitir aos cidadãos aquela sinceridade indispensável para o equilíbrio social" (in "Órgãos da Fé Pública", por João Mendes de Almeida Júnior, 2ª ed., Saraiva, São Paulo, 1963, pág. V).

Não é de se negar, pois, a possibilidade de se deixar assentada a impontualidade do devedor, graças ao protesto, por iniciativa e interesse do credor que disponha de título executivo líquido, certo e exigível.

Alhures demonstrado que tais características, precisamente, justificam, por compatíveis com o instituto regulado na Lei nº 9.492/97, a subsunção dos títulos executivos judiciais e extrajudiciais da legislação processual ao gênero "outros documentos de dívida", protestáveis, portanto.

No contexto presente, enfim, dessume-se que não mais se limita o protesto por falta de pagamento ao estreito círculo dos títulos de crédito em sentido estrito. E não é demais mencionar que existe quem sustente uma amplitude ainda maior do que a aqui vislumbrada, como revela a fundamentação do veto ao artigo 62 da Lei nº 10.931/2004 (fls. 143/144).

Mas, se a conclusão ora esposada, à luz dos subsídios jurídicos coligidos ao longo deste parecer, é no sentido de acolher, enquanto documentos de dívida protestáveis, especificamente os títulos executivos judiciais e extrajudiciais, por disporem de liquidez, certeza e exigibilidade, cumpre, doravante, analisar se o contrato de locação de veículo, versado nos autos, pode se enquadrar entre eles.

Já ressalvado que não se insere no inciso IV do artigo 585 do Código de Processo Civil, no qual são contemplados somente os contratos de locação de imóveis.

Porém, nada impede que os instrumentos de locação de veículos sejam moldados de acordo com o inciso II do citado artigo, de forma a ganharem lugar entre os títulos executivos extrajudiciais. E é exatamente nesse rumo a proposição formulada pela requerente.

Cumprida tal condição e atendidos aos requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade, será passível de protesto o documento. Não por força de sua particular natureza (de contrato de locação de veículo). Mas, sim, por se incluir na esfera do inciso II do artigo 585 do diploma civil adjetivo.

A doutrina não destoa.

Elucida Araken de Assis que "o art. 585, IV, outorga eficácia executiva ao documento comprobatório de créditos emergentes de foro, laudêmio, renda ou aluguel de imóvel e encargo de condomínio. Em princípio, o inciso exclui a locação de coisa móvel, a exemplo de veículos. No entanto, contratado por escrito tal negócio, e observados os requisitos do art. 585, II, a eficácia executiva defluirá desse dispositivo" (Manual do Processo de Execução, 8ª ed., RT, São Paulo, 2002, pág. 182).

De igual catadura o exposto por Teori Albino Zavascki: "O inciso IV do art. 585 do CPC atribui executividade a contratos de locação de bens imóveis, não se compreendendo nele o aluguel de coisas móveis. É o que sustenta a doutrina, de um modo geral. Será, contudo, título executivo o contrato de coisa móvel enquadrável no inciso II do art. 585, vale dizer, quando estiver assinado também por duas testemunhas, ou constar de escritura pública ou decorrer de transação referendada" (Processo de Execução - Parte Geral, 3ª ed., RT, São Paulo, 2004, pág. 339).

A posição se consolida ante a confirmação jurisprudencial emanada do C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 170.446 - SP, relatado pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar e publicado no D.J. de 14/09/1998, pág. 82, cuja ementa é clara:

"EXECUÇÃO. Título executivo. Contrato de locação de bem móvel. O contrato bilateral pode servir de título executivo quando o credor desde logo comprova o integral cumprimento de sua prestação. Arts. 585, II, e 615, do CPC. Recurso conhecido e provido".

Mas convém anotar, de passagem, que, se o protesto é aceitável pelos mesmos fundamentos, deve se cingir ao débito correspondente às verbas induvidosamente pactuadas, a fim de que respeitadas aquelas exigências de liquidez, certeza e exigibilidade. Trata-se das importâncias efetivamente decorrentes da locação contratada, nas condições admitidas, de modo expresso, pelo locatário do veículo. Quanto a eventuais "avarias", que chegaram a ser mencionadas na inicial, só se pode, por óbvio, cogitar de protesto do quantum referente ao reparo se, também ele, tiver valor certo estipulado em documento com os contornos delineados no inciso II do artigo 585 do Código de Processo Civil.

Possível transpor para a situação ora examinada o decidido pela Alta Corte referida em hipótese análoga, também relativa a locação de veículo, em que sobrevieram danos resultantes de acidente e a locadora incluiu custo atribuído ao conserto no montante do crédito: "A providência tomada pela credora, a par de extrapolar o âmbito do pactuado, impede que o devedor acompanhe a determinação dos danos, por unilateralmente realizada" (STJ, Resp. nº 40.720-6 - MT, Rel. Min. Barros Monteiro, D.J. de 14/11/1994, pág. 30960, RSTJ, vol. 71, pág. 283).

Indispensável, enfim, como várias vezes repisado, que o título se afigure líquido, certo e exigível (CPC, art. 586).

E, ademais, como as locações de automóveis podem ser celebradas entre variadas pessoas jurídicas e físicas, em diferentes condições, com conseqüente disparidade formal entre os respectivos instrumentos contratuais, caberá ao Tabelião de Protesto, quando qualificar o título, aquilatar se tais pressupostos se acham presentes.

Trata-se de análise a ser realizada caso a caso, como é próprio da atividade de qualificação, mesmo porque não seria factível prever, abstrata e antecipadamente, todas as situações peculiares que poderão se apresentar.

É raciocínio, aliás, que vale acerca do protesto, ora considerado possível, de quaisquer títulos executivos judiciais ou extrajudiciais agasalhados pela legislação processual. Reconhecida essa possibilidade, cumpre ter presente que só com sua materialização na prática cotidiana haverá condições de dirimir, paulatinamente, eventuais questões particulares que concretamente surjam. Trata-se do primeiro passo de uma longa caminhada, apenas iniciada.

Diante do exposto, o parecer que mui respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que, em caráter normativo, sejam compreendidos como "documentos de dívida", nos termos da Lei nº 9.492/97, sujeitando-se a protesto, sem prejuízo daqueles já admitidos para tanto, todos os títulos executivos judiciais e extrajudiciais previstos pela legislação processual, dentre eles incluído, desde que ajustado ao inciso II do artigo 585 do Código de Processo Civil, o contrato de locação de veículo.

Sub censura.
São Paulo, 04 de abril de 2005.
(a)JOSÉ ANTONIO DE PAULA SANTOS NETO
Juiz Auxiliar da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo, por seus fundamentos, com força normativa, o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria, cuja publicação determino para conhecimento geral. São Paulo, 24/05/05. (a) JOSÉ MARIO ANTONIO CARDINALE - Corregedor Geral da Justiça